Alessio Alionço: “No final, você tem de deixar satisfeito quem paga as contas”
Desde quando foi criado, em 2014, o Pipefy conta com um diferencial que lhe garante uma posição de destaque frente às startups brasileiras, em quase sua totalidade: já nasceu como um negócio global. Presente em mais de 140 países, o Pipefy é uma ferramenta para gestão de processos internos, por meio da qual é possível controlar a execução de tarefas do dia a dia e acompanhar a produtividade de times inteiros.
Para Alessio Alionço, CEO e fundador do Pipefy, o que fez a empresa crescer foi direcionar o foco para clientes com demandas de gerenciamento de processos (BPM), onde quer que estivessem, em vez de tentar dominar uma região geográfica. “Quando pensa em levantar capital ou competir em uma escala maior, se você já estiver atuando globalmente facilita muito as coisas. Primeiro porque tem clientes que são mais provadores e gostam de testar novas soluções e também porque o investidor internacional está bem mais aberto para investir em projetos internacionais”, explica.
Com um quê autobiográfico, este artigo de Alionço entra no detalhe dos acontecimentos que o levaram a pensar globalmente e como essa mentalidade tem elevado o nível de soluções que rompem fronteiras. “A gente está aprendendo como a maioria das startups que estão aí”, afirma o CEO do Pipefy.
Uma das startups aceleradas pela 500 Startups e com mais de 15 mil clientes ativos em sua base – que inclui gigantes como Accenture, GE, Telefónica e Visa -, Alionço não perde o foco nos objetivos que ainda tem pela frente, nem por um instante sequer. “Não podemos dizer que somos bem sucedidos. Até agora, nossa dedução está sendo boa. Mas, se vamos ser um negócio competitivo, sustentável e que vai empregar milhares de pessoas, ainda tem muita coisa a ser feita”, analisa. “Lembramos disso todos os dias, porque é muito fácil esquecermos e esquecer para onde o negócio tem de ir.”
Confira a entrevista que ele deu para o podcast do Blog da Superlógica:
O que você vai ler nesta entrevista:
- Vocês já nasceram global?
- Qual a história do Pipefy?
- Por que poucos negócios brasileiros nascem globais?
- O que aprenderam no Vale do Silício?
- Como melhoram a ferramenta?
- Quem compra?
- Qual o diferencial do Pipefy?
- Por que deixaram de usar o freemium por um tempo?
- O que fazem para estimular a migração?
- Qual seu modelo de crescimento?
- Em quanto tempo testaram a ferramenta?
- Principais erros e dificuldades?
- Quais são os próximos passos?
O Pipefy é brasileiro e tem clientes em várias partes do mundo. Vocês já nasceram com essa pegada de ser global ou isso surgiu depois?
Começamos o Pipefy desde o dia 1 focado no mercado internacional. O principal motivo é bem mais uma questão de sobrevivência do que a opção pessoal de ter um negócio global. Se você for olhar, a maioria das ferramentas – seja B2B, B2C ou para celular – e a quantidade de aplicativos nacionais que usamos é relativamente pequena.
Geralmente, as empresas que atuam globalmente, quando ganham no mercado delas, ganham em praticamente todos os mercados – não só nos Estados Unidos ou na Europa, onde foram criados. Vimos muito esse mindset: em vez de tentar dominar uma região geográfica e ser muito bem-sucedido – seja no Brasil, em específico, ou em alguma macrorregião -, vamos focar bem na indústria de gerenciamento de processos (BPM), que está mal servida – e vamos atender todos os clientes dessa indústria específica, independentemente de onde estejam. Foi isso que fez o Pipefy crescer da forma como cresceu.
Você pode contar um pouquinho da sua história e do Pipefy?
A minha primeira empresa era um guia local de serviços que eu vendi para o Apontador.com. Dentro do Apontador a gente começou a crescer de forma exponencial, aumentar a quantidade de pessoas na operação e ter mais processos. Precisávamos gerenciar melhor as equipes, os prazos e a qualidade da execução. Enfim, várias coisas que precisávamos controlar a execução no dia a dia da equipe.
A dificuldade que eu tinha era que toda melhoria nos sistemas da empresa e nos processos que precisava controlar melhor, eu tinha de abrir um chamado para TI. Tudo o que eu precisava caía sempre na fila de TI. Precisava melhorar um processo aqui ou mudar um campo no sistema: entrava na fila de TI. Precisava integrar um software com outro específico para coordenar o trabalho de duas equipes diferentes: abria um chamado para TI. Naquela época, eu enxergava TI como um grande gargalo da empresa. Foi aí que eu tive a ideia para o Pipefy: que é, basicamente, uma ferramenta de gestão de processos internos para controlar a execução do dia a dia. Coisas que gerenciadas com planilha ou outro sistema legado – que estão ficando antigos demais – conseguimos colocar para rodar no Pipefy sem precisar de mão de obra técnica.
Esse é o principal valor até hoje que oferecemos aos nossos usuários: dar a possibilidade de organizar o departamento ou a empresa inteira sem precisar de mão de obra de TI para, de fato, colocar qualquer tipo de coisa para funcionar no sistema. Ele modela o processo, ou baixa um processo pronto da nossa template store – e coloca para rodar na hora.
Voltando à questão do Pipefy ser global, porque poucos negócios brasileiros têm essa pegada? É falta de visão ou o melhor caminho é esse: começar internamente e depois pensar em internacionalizar?
Acho que isso acontece porque o mercado local brasileiro é muito grande: tem 200 milhões de pessoas. Isso faz com que qualquer empreendedor que tenha uma ideia consiga ser razoavelmente bem-sucedido vendendo só no mercado local. Para tirar a ideia do papel, isso funciona. Mas quando pensa em levantar capital ou competir em uma escala maior, se você já estiver atuando globalmente facilita muito as coisas. Primeiro porque tem clientes que são mais provadores, abertos e gostam de testar novas soluções, independentemente de onde elas sejam. E o investidor internacional está bem mais aberto para investir em projetos internacionais do que em projetos que têm uma tese de operação local, em um país específico.
Essas são as grandes vantagens de se operar de forma internacionalizada. Eu acho que não tem certo e errado. Depende muito da característica de cada negócio. Eu vejo exemplos como a empresa do Vitor [Torres], a Contabilizei. É uma operação de contabilidade, tem um aspecto regional fortíssimo e uma barreira de entrada fortíssima para um player que queira competir com você.
Agora, se você vende uma ferramenta de automação de marketing, é indiferente para o cliente se ele vai comprar de um fornecedor brasileiro ou de um internacional. Nesse momento vale a pena, sim, você se posicionar como fornecedor internacional e ir para a briga com todo mundo. Assim como tem players internacionais que estão concorrendo com você aqui, você vai concorrer com eles em outras oportunidades fora também.
Não é pra todo negócio: se eu estivesse operando um negócio onde o fator geográfico é um fator importante, por causa de burocracia, da legislação local ou porque é muito intensiva a logística, talvez eu até recomendaria: começa no Brasil primeiro, faz mais sentido. Agora, se o negócio é 100% digital, uma empresa que é product first, pode atingir qualquer cliente de qualquer lugar do mundo porque tem uma pegada um pouco mais self-service e é indiferente para o cliente de onde é esse fornecedor, com certeza eu vou recomendar que a pessoa já comece a pensar no mercado externo desde o dia 1 também.
Vocês passaram pela 500 Startups e foram investidos pela Redpoint. O que vocês mais aprenderam ao passar pelo Vale do Silício e quais são as principais diferenças entre estar lá e estar aqui no Brasil?
Eu acho que é uma questão de mindset. Por exemplo: para nós tem toda essa questão de ser global ou não ser global. Lá, o pessoal não está nem aí porque ser global é premissa básica para qualquer coisa que estejam fazendo. A régua é bem mais alta e a competição é muito alta também. Isso é uma coisa legal para falar, porque eu acho que brasileiro tem um pouco aquela mentalidade “se eu tivesse no Vale do Silício, tudo ia dar certo”. Não é assim que o mundo real funciona!
Imagina um jogador de futebol iraniano. Ele pensa: “O Neymar é brasileiro, o Pelé é brasileiro, o Ronaldinho é brasileiro. Nossa, para eu ser bem-sucedido, eu tenha de morar no Brasil e jogar bola no Brasil”. Aí o cara vem para cá e vai comer o pão que o diabo amassou como qualquer jogador brasileiro. Para cada Neymar, há milhares de outros jogadores que não conseguiram ser bem-sucedidos.
O que acontece no Vale é um pouco disso. É aquilo que falam do touro americano: tem muita startup, muita gente empreendendo o tempo inteiro. Algumas conseguem acesso à capital, algumas conseguem crescer. Mas lá a dinâmica do mercado é bem mais hostil e a roda gira mais rápido, tanto para projetos de investimento, quanto de execução, quanto à pressão para você crescer de forma rápida.
A grande diferença é essa: o investidor americano pensa em escala global, em como é que você vai competir em escala global e, principalmente, no mercado local americano, que é extremamente competitivo. E aqui ainda temos essa barreira geográfica, tanto que uma das principais teses de investimento dos fundos brasileiros é fazer arbitragem geográfica: digamos que é uma empresa que está indo super bem nos Estados Unidos e eles têm a possibilidade de replicar aquele modelo de negócio aqui. Lá não se vê muito disso: eles investem em inovação pesada e há uma super pressão para o negócio crescer da forma mais rápida possível. Só que, nem de longe, a realidade lá é mais fácil ou qualquer coisa relacionada a isso. Basicamente, porque tem muita gente empreendendo também.
É a metáfora do jogador de futebol: tem mais gente jogando bola naquela indústria específica do que tem em outros mercados, então tem muito dinheiro, tem muito projeto, tem muita mão de obra qualificada. Mas uma empresa é como qualquer outra lá: é super concorrido ter acesso a capital para o negócio crescer e assim vai.
O Pipefy nasceu a partir de uma necessidade sua, você tentou sanar um problema que vivia na pele. Como você faz para melhorar ainda mais a ferramenta, para fazer entregas ainda melhores a partir desse desafio que os gestores têm de serem mais produtivos e serem mais eficientes?
Primeiro: comemos a própria comida. Usamos o Pipefy para tudo. O que não está bom para os usuários, não está bom para nós também. Com isso conseguimos ver de forma clara onde a ferramenta precisa melhorar. O segundo ponto é que todo o nosso roadmap, o grande direcionador das próximas features que vamos entregar, é muito relacionado: são pontos que levantamos com a nossa própria base de clientes ou com a área comercial se falta alguma melhoria ou alguma feature específica.
Não existe ideia legal. Existe dor que está incomodando e dor que alguém está disposto a pagar para resolver. A partir do momento que vemos uma oportunidade de negócio, que tem um cliente disposto a pagar a gente para resolver o problema com uma feature um pouco melhor do que a disponível, geralmente priorizamos aquela feature – se faz sentido para a estratégia da empresa – e, de fato, desenvolve. Nosso desenvolvimento de produto é bem sales-driven.
O meu papel na empresa é justamente esse: eu fico metade do meu tempo com o time de vendas e metade com o time de produto, entendendo quais desafios encontramos no campo, junto com os clientes, e como melhorar o produto para atacar essas necessidades.
O Pipefy é utilizado por mais de 15 mil empresas e você comentou que usa da experiência dos clientes para melhorar a ferramenta cada vez mais. Quem compra a ferramenta de vocês: SMB, MID, enterprise? Qual a divisão de clientes que vocês fazem entre esses portes?
Temos dois grandes perfis de clientes que compram a ferramenta. Geralmente, quando é um cliente menor, é uma abordagem de self-service – a ferramenta é gratuita até dez usuários. A partir do momento que ele bate um certo limite de uso, seja pela quantidade de usuários ou quantidade de processos, é convertido para usuário pago pela própria interface. É um processo que não tem nenhum vendedor efetivando a venda.
Dentro das grandes corporações, que também usam a solução – Accenture, bancos etc. -, oferecemos apoio e uma estrutura um pouco melhor. Nela, o cliente vem com a necessidade do negócio – qual é o processo que ele quer melhorar -, modelamos a ferramenta e mostramos com a resolução do problema específico que ele tem.
Por incrível que pareça, e apesar de serem empresas de tamanhos completamente diferentes, a dor é muito parecida. Assim como o gestor, dentro de uma grande multinacional, que tem centenas de milhares de funcionários, está travado, precisando melhorar a execução do time dele e o departamento de TI é o gargalo, porque não tem budget para desenvolver projeto, para contratar fornecedor ou para ter uma ferramenta específica para rodar um processo específico; o empreendedor pequeno simplesmente não tem orçamento para contratar uma empresa de TI para desenvolver um sistema que atenda exatamente a necessidade dele.
O Pipefy é extremamente flexível, como se fosse um LEGO que se molda para atender seja lá qual for a necessidade do negócio: um processo de RH, de onboarding de funcionários, de contratação, de demissão ou um processo de customer success. Você molda para funcionar da forma como quiser e, sem precisar da ajuda de mão de obra técnica, acaba resolvendo super bem.
Essa flexibilidade que o Pipefy entrega é o grande diferencial perante outras soluções como o Trello, por exemplo, que inclusive são soluções gratuitas?
Sim. “Trello size” é, inclusive, uma expressão que usamos internamente. Quando a empresa está feliz com o Trello, ainda não está no ponto de migrar para o Pipefy. O Trello é um grande board branco, onde você vai jogando as tarefas para o time fazer. Nesse modelo, tem o Trello e existem outras dezenas de aplicações super boas e competitivas também: tem o Asana, o próprio Spreadsheet – que você pode usar planilhas para gerenciar o trabalho das pessoas.
O Pipefy começa a ser competitivo e valer a pena quando há muitas pessoas executando um processo específico e você precisa garantir a qualidade da execução, guiar o time no passo a passo do que tem de ser feito e controlar o SLA (Service Level Agreement) – em quanto tempo cada etapa daquele processo está sendo feita. Isso é criar uma visão de relatório muito forte sobre aquilo, para entender quem está executando bem e quem está executando mal. Quando começa a surgir esse tipo de problema é que, de fato, o Pipefy começa a fazer sentido.
Por esse mesmo motivo o Pipefy é gratuito para times abaixo de 10 usuários, porque percebemos que eles não têm uma dor suficientemente dolorosa ainda a ponto de querer pagar o próprio Pipefy ou sair dos outros concorrentes.
Temos três tipos grandes de clientes. O primeiro nível, que é a base da pirâmide, são os “bebês”: é o cara que só precisa de uma coisa como o Trello para jogar as tarefas. São problemas baratos e, como tem muita coisa gratuita, o cliente não está disposto a gastar para resolver. Tem o segundo nível de maturidade, subindo na pirâmide, que é o cara da organização: ele precisa padronizar os processos da empresa e guiar o passo a passo da execução. É neste momento que o Pipefy entra em ação. Porque, se não for com o Pipefy, ele vai ter de comprar um ERP do mercado, vai ter de customizar um ERP do mercado, vai ter de comprar uma grande solução – como um BPM ou um Microsoft SharePoint – ou comprar ferramentas do tipo da ServiceNow. São ferramentas que custam centenas de milhares de dólares e o Pipefy consegue resolver a dor super bem.
E, por último, que são os nossos clientes mais sofisticados, estão os que usam muito a automação: eles integram com as nossas APIs e usam o Pipefy para rodar processos em grande escala e perfis bem mais complexos, como análise de crédito, processo de gestão de facilities etc. Tem uma grande empresa de telecom que usa para administrar mais de 20 mil imóveis e coordenar toda a cadeia de fornecedores. É algo que uma ferramenta como um Trello, por exemplo, não conseguiria fazer. Por isso que, para empresas pequenas, com times pequenos, mantemos a interface super simples, intuitiva, fácil e não cobramos daquele usuário ainda – porque sabemos que ele não está no ponto.
Vocês deixaram de usar o modelo freemium, durante algum tempo, e voltaram para ele. Como foi essa experiência?
Foi um aprendizado que tivemos de forma muito dolorosa. O Pipefy, enquanto estávamos na fase de startup, era uma ferramenta gratuita e tinha muita atração. A gente dobrava de tamanho todo mês. Os novos investidores disseram: “O mercado mudou. Para você levantar um investimento Série A vai precisar ter um pouco de receita, fazer pelo menos US$ 1 milhão por ano para levantar a próxima rodada”. Eu pensei: “Fácil. Se 10% da base ativa ficar e a gente cobrar cincão de cada usuário ativo, a gente passou de ano sobrando ainda. Não vai ser problema nenhum”.
Quando tiramos os planos gratuitos do ar, percebemos que todos esses usuários que estavam usando a ferramenta não estavam dispostos a pagar. Quem pagou foram empresas gigantescas, grandes multinacionais – como Accenture, GE, Telefónica, a maioria dos bancos, no Brasil. Ali que percebemos e falamos: “Opa! Nosso DNA não é atender small. Nosso DNA, na verdade, é atender os managers nessas grandes empresas que dependem da ajuda da área de TI”. Quando percebemos isso e olhamos a nossa receita, mais da metade do nosso faturamento estava vindo de 30 grandes clientes. Pensamos: “O dinheiro está tão concentrado nessas empresas maiores que não vale a pena cobrarmos desse cara small”.
Usamos um produto gratuito, hoje, muito mais para entrar pela porta dos fundos nessas grandes empresas. A partir do momento em que eles estão usando a ferramenta, até o relacionamento comercial fica bem mais fácil: eles já estão engajados, já gostam da ferramenta e confiam nela. O processo de venda acaba se tornando bem mais natural, por isso voltamos com o freemium. Não que a ideia seja ganhar dinheiro com a grande massa de usuários que estão usando o produto gratuito, mas isso nos dá acesso a departamentos de empresas gigantescas, em vários lugares do mundo. Empresas com as quais não teríamos a possibilidade de criar um relacionamento se não fosse pelo produto gratuito, entrando lá pela porta dos fundos e fazendo a frente, antes de um vendedor entrar em ação.
Um dos grandes desafios do Pipefy como SaaS é fazer os usuários migrarem do plano free para o plano pago. O que mais vocês fazem para estimular essa migração?
Um aprendizado que tivemos, inclusive quando trouxemos um VP novo para tocar nossa entrada no mercado americano, foi que além das trilhas de volume de uso – seja por quantidade de processo ou quantidade de pessoas que estão usando a ferramenta -, começamos a perceber um padrão muito bem definido de comportamento, à medida que os times iam crescendo ou uma empresa passava a ter necessidades mais complexas.
Quando falamos, por exemplo, em two-factor authentication, apenas empresas de capital aberto, empresas reguladas ou bancos exigem. E, se é uma empresa nesse perfil, o cara tem budget para pagar – ele tem dinheiro para pagar até por versões mais caras do produto. Uma coisa que percebemos foi: em vez de precificar por features diferentes, pensar no uso dessas features de acordo com o nível de maturidade da empresa.
Por exemplo: se eu tenho uma aplicação com apenas três usuários, provavelmente a parte de relatórios ou dashboards não é essencial. Agora, quando você tem uma operação com 200 pessoas trabalhando, é provável que, além delas, haja um gestor com nível mais operacional que gerencie as tarefas dessas pessoas e como está o andamento daquele processo no dia a dia – e ainda um diretor ou o próprio CEO da empresa que precisa ter uma visualização com um perfil um pouco mais estratégico, onde veja dados consolidados, relatórios e outros tipos de coisa.
Existem tipos de features específicas que só empresas grandes querem, empresas que têm muito budget para gastar, e é justamente nessa hora que a gente entra para ganhar dinheiro de fato e resolver o problema do cliente. Geralmente, é um problema caro, mas ele está disposto a pagar para resolver. Esse foi um grande aprendizado nosso: pensar na ferramenta de forma inteligente e entender que tem personas diferentes usando, por isso não necessariamente todos os usuários extraem valor dela da mesma forma. Isso nos fez desenvolver toda a nossa estratégia de planos e de headcount a partir do volume de uso da ferramenta.
Como vocês fazem para conquistar novos usuários e qual é o modelo de crescimento de vocês?
Claro que fazemos alguma coisa de aquisição paga, como todo mundo faz: investimos em SEM (search engine marketing), display, LinkedIn, campanhas de outbound por e-mail etc. Mas grande parte do nosso tráfego ainda é orgânico e, muitas vezes, direto – gente que ouviu falar da ferramenta, gostou do que ouviu, começa a usar e dispara isso para outras pessoas.
Acho que essa é uma grande vantagem de ser uma ferramenta de colaboração. Necessariamente, o Pipefy coordena o trabalho de pessoas, na sua essência. Para a empresa extrair valor dele, tem de ter muitas pessoas usando. Se tem muitos funcionários da empresa usando, naturalmente eles vão comentar com os pares que estão usando uma ferramenta nova.
Demos a sorte de cair naquele cestinho de ferramentas que têm como característica ser um produto de uso geral. Coordenamos o trabalho de pessoas, de times inteiros. Isso faz com que a ferramenta se espalhe com muita facilidade. Chamamos de live and expand: a partir do momento que um usuário adota e começa a usar, sabemos que o caminho natural é ele chamar os colegas do time para passar a usar a ferramenta também. Diferente de uma ferramenta de automação de marketing, por exemplo, com a qual o cara do departamento de marketing pode estar super feliz, gastando milhões de reais, mas não vai compartilhar com outras pessoas do time.
Vocês foram testando e validando hipóteses. Quanto tempo vocês levaram entre testar a ferramenta e conseguir um volume de assinantes considerável?
Especificamente em relação à validação de tese em relação a features e produtos, como funciona: fazemos, por exemplo, teste A/B em campanha ou em landing page. Usamos à rodo! Roda teste A/B no VWO, vê qual é o ganhador, substitui, faz melhoria contínua nas nossas landing pages, mini pages etc.
Para uso da ferramenta, utilizamos de forma intensiva o Mixpanel para gerenciamento dos processos, e aí sempre temos de alcançar um número mínimo de amostras usando a aplicação.
Mas o mais importante é: não precisa esperar ter milhares de usuários para conseguir auferir resultados e testar as hipóteses. Se vai fazer uma pesquisa qualitativa com o usuário – em relação a um fluxo de sign up ou em relação a uma feature – e você faz uma entrevista exploratória com um usuário e conversa durante 30-40 minutos, acima de 10-12 entrevistas, você consegue encontrar de forma muito clara um padrão em relação às grandes coisas que você precisa melhorar.
Hoje a gente tem uma estrutura híbrida: rodamos testes A/B com milhares de usuários que temos no tráfego, nessas landing pages; rodamos testes com abordagem quantitativa, medindo retenção e taxa de ativação dentro da ferramenta. Mas, para projetos muito específicos – por exemplo, nosso NPS para um tipo específico de usuário é mais baixo do que o NPS médio de todos os usuários da plataforma -, mandamos um design de interação marcar entrevistas com 20 pessoas diferentes, gravar as entrevistas, conversar, coletar feedback etc. Enfim, descobrir a fundo o que está acontecendo com aquele usuário para o NPS dele não ser tão bom quanto o da média de usuários.
É muito importante ter esse tipo de abordagem. Não é porque você não tem um volume grande e significativo na ferramenta, que você pode se permitir ser preguiçoso e não validar as hipóteses que você tem no dia a dia também.
Quais foram os principais erros ou as dificuldades que vocês tiveram?
Tem um grande erro que eu acho que foi o grande divisor e ajudou a nos entender como negócio: tínhamos uma base de usuários muito grande, que estava crescendo numa velocidade exponencial, e adotamos essa massa inteira de usuários gratuitos para assumir premissas na área de negócios, em relação a decisões sobre preço e features que deveríamos priorizar.
Quando tomamos uma decisão baseada em um feedback da base inteira de usuários, o que percebemos foi que esses usuários não estavam dispostos a pagar – mesmo falando qual preço estavam dispostos a pagar. E nós acabamos fazendo o preço que eles apontaram como ideal. Quando fomos olhar os clientes que de fato ficaram e pagaram, a sensibilidade a preço deles era completamente diferente. Deixamos dinheiro na mesa, quando poderíamos ter trabalhado com preços bem mais competitivos.
O segundo ponto é: as necessidades dos usuários pagantes em relação à melhoria do produto eram completamente diferentes das necessidades dos usuários gratuitos. Isso foi um grande aprendizado! Na startup, geralmente chega o time de customer success ou de suporte e fala: “A base de clientes está pedindo aquilo” ou “A base de clientes está reclamando em relação a isso”. No final, você tem de deixar satisfeito quem paga as contas. Esse foi o maior aprendizado. Eu digo para a grande maioria das pessoas com quem converso: tome muito cuidado, porque o usuário falar que quer uma feature específica ou que acha alguma coisa legal não significa necessariamente que ele esteja disposto a pagar por aquilo. E, para o usuário que está disposto a pagar, não necessariamente a priorização do que é importante para ele é a mesma do usuário gratuito.
Quando você tem um produto que é parte freemium, isso pode ser uma pegadinha. Nós aprendemos do jeito difícil: tiramos o produto gratuito do ar, achamos que estaríamos ricos do dia para a noite e não foi o que aconteceu. Por outro lado, percebemos que o nosso mercado é o de enterprise e agora estamos colhendo os frutos disso. Temos um produto freemium que é bom para o small, é self service e quando ele estiver disposto a pagar, vai lá e paga. Mas, principalmente agora que entendemos como nossos clientes usam a ferramenta, esse produto freemium é a grande força motriz que nos faz vender o Pipefy dentro das grandes empresas.
Quais são os próximos passos do Pipefy?
O Pipefy é uma ferramenta horizontal e a aplicabilidade é que qualquer empresa no mundo pode usá-lo para gerenciar o que for. Apesar de ser uma oportunidade, isso também é um ponto fraco, porque é uma ferramenta extremamente generalista. O que estamos priorizando, pelo menos ao longo dos próximos dois trimestres, é deixar a ferramenta melhor para as grandes personas que usam o Pipefy.
Um terço da nossa base de usuários é de desenvolvedores ou designers da área de produto. Então, estamos lançando uma vertical bem específica: o Pipefy para Developers, que vai ter integração com GitHub, Bitbucket e GitLab; vai ter sprint, vai ter burndown chart, vai ter uma melhoria na área de apps. Estamos fazendo um produto matador e competitivo para os desenvolvedores, que já são um terço da nossa base de usuários. Isso é o que estamos fazendo hoje e é para onde o Pipefy vai ainda no médio prazo.