Ex-presidente da Oracle: “As empresas ainda têm medo de adotar o cloud”
Por Rafaele Queiroz
Cyro Diehl passou quase oito anos na cadeira da presidência da Oracle. Após abandonar o comando da operação nacional da companhia no final do ano passado, Diehl decidiu apostar em uma tendência que enxergou ao longo dos últimos anos: o mercado de cloud. Fundou, no início de 2017, a startup Cloud Target.
Um dos desafios desse mercado, segundo ele, é que muitas companhias ainda não se sentem seguras em adotar a tecnologia. “As empresas indagam onde se localizam os dados armazenados e ainda temos de responder uma série de perguntas para que elas se sintam seguras”, afirma Diehl, que também falará sobre o tema no Superlógica Xperience, o maior evento de Assinatura e SaaS do Brasil.
Para startups que estão começando a desenvolver o produto, a recomendação de Cyro é que o aplicativo esteja na nuvem. E se não for possível estar na nuvem, é importante que desenvolva nela. “Essa é a demanda do mercado. Se você tem uma startup e quer começar no caminho certo, comece com nuvem e acessível ao mobile”, diz.
O que você vai ouvir neste podcast:
- Como a Cloud Target foi idealizada
- Os motivos para as empresas migrarem para nuvem
- É seguro utilizar um armazenamento em nuvem?
- Como é feita a migração de arquivos?
- O modelo multicloud
- O futuro da computação em nuvem
Conte um pouco sobre a Cloud Target. Como começou a empresa e como ela trabalha?
Sempre trabalhei em multinacional, principalmente fornecedoras de soluções de tecnologia. E o que eu estava vendo? Que a tecnologia invadiu de vez as empresas e está transformando os modelos de negócio. Não só empresas como Airbnb ou Uber, mas todas têm de fazer e-commerce, aplicativos, mudar a relação com seus clientes. Eu percebia que, pela primeira vez, a tecnologia estava mudando as companhias, mas poucas estavam ajudando esses negócios a se transformarem.
Existem as empresas que oferecem soluções e as que consomem as soluções. Reduzir custos, simplificar TI, para que TI possa se dedicar mais ao negócio do cliente, esse é o objetivo que nós temos na Cloud Target. Queremos ser um acelerador da transformação digital para as empresas. De que maneira? Simplificando TI, dando tempo para a empresa discutir seus negócios, trazer novas tecnologias, para ajudar os modelos tradicionais de negócios e as empresas a continuarem sobrevivendo nesse mundo tão digitalizado das novas tecnologias.
Você considera que as transformações digitais sejam o principal motivo de as empresas precisarem ir para a nuvem?
Sem dúvida nenhuma. Vivemos o que os estudiosos chamam de quarta revolução digital. A primeira revolução durou uns 60 anos, a segunda 40 anos, a terceira 20 anos e essa é uma revolução que está acontecendo muito rápido. Temos novas tecnologias como drones, energia solar, nanotecnologia. Uma gama de impressoras 3D, que são capazes de imprimir tudo o que podemos imaginar. Estamos pensando o futuro hoje. Logo iremos produzir nossa própria energia, nas nossas casas. As empresas que hoje produzem e distribuem energia têm de mudar o modelo de negócio, para uma empresa de serviço que vá comprar a energia que produzimos.
E até mesmo as coisas mais simples, como uma empresa que comercializa seus produtos de maneira tradicional e passa a oferecer um e-commerce. Essa já é uma transformação digital. Porque ela vai, a partir de agora, efetuar transações com um equipamento móvel, um tablet ou qualquer outro dispositivo, sem a necessidade de uma loja física. Com isso, ela tem possibilidade de aumentar as vendas, reter clientes, de uma maneira totalmente nova. Para essa empresa, é uma transformação digital. Muda o formato de estoque, de inventário e do mix de produtos.
Então podemos pensar que, para uma empresa bem pequena, uma transformação digital é um e-commerce. Para uma empresa que não tenha um app disponível em mobile, essa também é uma transformação digital. Então, a revolução digital passa desde a coisa mais simples até a mais complexa.
Com todas essas transformações digitais, que acontecem muito rápido, e baseado nas experiências com clientes, você acredita que ainda há resistência por parte das empresas em efetuar a migração para a nuvem? Como funciona esse processo?
O problema não reside somente na resistência à nuvem. Qual é o grande problema dessa transformação digital? É um processo meio óbvio e é tranquilo para as pessoas que já lidam com tecnologia. Parece ser um processo muito simples, mas, precisamos pensar em como isso afeta modelos de negócios. Imagine que há pouco tempo, você locava um carro e agora o carro que você usa é de um terceiro, como Uber ou Cabify.
Os presidentes das empresas não estão familiarizados com a tecnologia. Eles entendem dos seus negócios mais do que ninguém, mas a tecnologia agora é parte do negócio e eles não têm conhecimento suficiente para aplicar isso.
Com o cloud o pensamento é da mesma maneira. As empresas se indagam se as formas de acesso aos dados são seguras e, até mesmo, onde se localizam esses dados armazenados. Temos que responder essa série de perguntas para que a empresa se sinta segura. Quando levamos esse cliente em um data center, por exemplo, ele se admira e fala: “Uau! Eu deveria ter essa segurança na minha casa”.
O número de empresas que não têm, por exemplo, disaster recovery – se pegar fogo no CPD (Centro de Processamento de Dados), elas não têm cópia de segurança – é altíssimo no Brasil, porque o custo físico é muito alto. Por uma fração do que você pagaria no meio físico já poderia ter segurança na sua empresa, caso tivesse um desastre, a recuperação ocorreria facilmente.
A grande ressalva das empresas em adotar o cloud ainda é em relação à segurança. Então nós orientamos e sanamos todas as dúvidas, para que o cliente entenda e faça a adesão. E esse processo ocorre por pedaços: manda uma parte, manda outra parte. Para ele ver como é, e ir ganhando confiança até que migre totalmente.
Recentemente a mídia divulgou que hackers realizaram ataques, com intuito de roubar dados de alguns servidores americanos, e que isso comprometeu a segurança de vários sites. Hoje, segurança de dados é um ponto crítico ou nós temos um estado de relativa segurança?
Essa pergunta é muito oportuna: segurança de dados. Quando eu estava na Oracle, o carro-chefe era o banco de dados. E dentro do banco de dados era possível habilitar uma funcionalidade de segurança. Por exemplo, criptografar dados ou embaralhar dados. Frequentemente eu via clientes que não habilitavam essa funcionalidade. E assim também é na nuvem. Empresas como a Microsoft, com o Azure, a Amazon que tem AWS, a IBM com o Softlayer, a Oracle com a Oracle Cloud, ou o Google, com Google Cloud; todas essas multinuvens investem milhões de dólares em segurança.
Muito mais do que qualquer outra empresa, por maior que seja, consegue investir em sua própria segurança. E sabemos que grande parte das invasões são feitas dentro de casa, ou seja, o roubo de dados é um trabalho interno. Então para evitar esse tipo de problema, a nuvem tem um grau de segurança muito alto. São criados mecanismos dentro de casa ou na nuvem para garantir essa segurança.
Por exemplo: quando você está na empresa, está seguro no ambiente; então supomos que você vai para um hotel e entra no wifi e pega um vírus, entra em um site e pega um vírus, quando você volta para a empresa e se conecta na rede, pode levar o vírus para dentro. Então temos de criar mecanismos de segurança até para esse tipo de ocorrência. Quais são as duas grandes barreiras para adoção do cloud? A primeira é segurança e a segunda, integração.
Como funciona a integração com dados que ficam na nuvem e os que não ficam? Existe algum recurso que a empresa tenha de implementar para trabalhar com esse sistema misto?
Não, não existe. Existem aplicativos sofisticados que auxiliam em uma troca de dados de maneira rápida e eficiente entre a nuvem privada, dentro da sua empresa, e uma nuvem pública, fora da sua empresa, ou em um data center. Já existem ferramentas confiáveis e que falam idiomas diferentes, nuvens diferentes. Então é muito comum esse ambiente multicloud. Hoje temos visto que esse é o modelo do futuro.
Como você vê essa evolução do mercado dos serviços em nuvem?
Essa evolução chega a ser assustadora. Quando montei a empresa, meu objetivo era capturar as oportunidades e ajudar as empresas a se transformarem. Mas eu não imaginava a situação que iria encontrar. Falo frequentemente com presidentes, CFO’s, diretores, gerentes de informática, empresas de usina de açúcar e álcool, hospitais, em vários tipos de negócio, existe muita gente perguntando sobre nuvem. É surpreendente. O presidente de uma usina de açúcar no interior de São Paulo me disse certa vez: “Cyro, esquece tudo. Eu voltei da França. Coloca tudo na nuvem”. Isso me surpreendeu muito positivamente, pois a demanda que existe hoje por cloud é irreversível, ou seja, o mundo vai para esse ambiente. De novo, é um ambiente que simplifica a vida de TI, permite que a empresa se foque no seu negócio e não fique gastando tempo cuidando de tecnologia, que não é o core business da empresa.
De que forma a sua experiência na Oracle foi impactante no desenvolvimento da Cloud Target?
Foi muito impactante, principalmente por eu atender grandes empresas. Nesses quase 20 anos que passei na Oracle, sempre atendi os clientes. A Oracle é uma empresa B2B e tem essa facilidade de pensar no cliente. Quando construímos uma empresa de TI, esperamos que ela possa ajudar os clientes a se transformarem digitalmente. Oferecendo redução de custos e economia de tempo para a gestão, que pode ficar focada no negócio. Eu quero transformar o mundo, quero transformar as empresas com quem trabalho; quero que essas empresas se transformem e transformem o mundo. Os jovens valorizam muito isso e eu mesclei muita gente bem jovem nessa empreitada. Então, acho que na Oracle, aprendemos a cuidar do cliente e ter uma visão mais ampla, de longo prazo, de satisfação do cliente, mesclado com a ideia de ter um propósito. Os clientes normalmente dizem: “Que bacana! Foi a primeira empresa de tecnologia que não falou de produto; falou do meu negócio”. Então, acho que isso ajudou muito na criação da Cloud Target.
Que dicas você tem para quem é empreendedor e quer levar seu software/aplicativo para a nuvem?
Se você tem um aplicativo ou vai desenvolver, pense primeiro no mobile. Pode até não ter para desktop ou notebook, mas precisa estar disponível para celular. Segundo: precisa ser acessível de qualquer aparelho e em qualquer lugar. Então tem de estar na nuvem, se você já tiver porte para isso. Se você não tem, desenvolva na nuvem. Essa é a demanda do mercado. É assim que vamos escalar. Segundo Salim Ismail, autor da Singularity University, em seu livro Organizações Exponenciais, ele identifica que o principal fator que levou as startups a disrupção digital, por volta de 2006, foi o fato de a Amazon possuir um excedente de processamento, ter tentado vender, e abrir essa capacidade de processamento para empresas. E essas startups com custo baixo e tecnologia, permitiu que essas empresas criassem esses modelos transformadores de negócios. Então se você tem uma startup e quer começar no caminho certo, comece com nuvem e acessível ao mobile.